O grilo
por Ligia Pinheiro Barbosa
20 de julho de 2020
Adoro gente, considero-me uma privilegiada por ter muito mais amigos do que todos os meus dedos das mãos e dos pés, juntos, podem contar. Eu penso que o ser humano é um ser social por natureza, e o convívio é o que nos enriquece. Todas as minhas amigas, eu no meio, temos opiniões fortes, balizadas. Acho que é isso que nos une tanto, porque por mais que discutamos um assunto para o qual não há consenso, saímos desse momento enriquecidas, mesmo se não mudamos nossa opinião. Estudamos juntas, viajamos juntas, rimos juntas, choramos juntas, reclamamos juntas, nos alegramos juntas. Algumas já não moram na mesma cidade, mas isso não faz a menor diferença para a amizade, exceto pela saudade.
Eu tinha um sonho: construir uma Vila Vecchia. Um terreno com várias casas pequenas, de dois quartos, e uma área comum com todos os confortos que a terceira idade e velhice requerem: piscina, restaurante, salão, biblioteca, fisioterapeuta, médico e por aí vai. Contrataríamos um administrador e desfrutaríamos do convívio umas das outros, com a opção de ficar em casa se em algum momento não quiséssemos ver ninguém. Mas até o hoje não deu certo, e tenho poucas esperanças de que aconteça, pelo fato de várias já estarem em cidades diferentes e as vidas também tomarem rumos distintos.
Penso que nosso encontro anual permanecerá – este ano talvez não, por causa da pandemia. No ano que vem a reunião é certa, e será em minha casa, a vigésima sexta de nossas vidas. Não é para ser feliz?
Mas também gosto muito de ouvir o som do silêncio. Agora mesmo, esse “som” só é quebrado pelo barulho da água correndo e de um grilo que insiste em cantar Não sei se está me fazendo uma serenata, mas o fato é que eu o escuto, e ele me lembra o Grilo Falante da estória do Pinóquio. O que estará a me lembrar, ou avisar?
Desde meados do mês de março estamos afastados, isolados. Isso não mudou pouca coisa, mudou muita. Fiz, literalmente, uma quarentena em Petrópolis, depois vim para Minas. Dois meses e meio aqui, mudança total de vida. Pergunto-me o que será o novo normal. Planejo uma viagem e logo em seguida desisto, dado o cenário ainda complexo da pandemia. A saudade que tenho dos meus filhos, que não vejo desde final de fevereiro desse excêntrico ano de 2020, só cresce.
Todos os dias, quando abro os olhos e vejo onde estou, a realidade se impõe: mais um hoje – que maravilha!! – para viver bem e feliz. Penso nos meus filhos, rezo por eles para que sejam protegidos pelos seus anjos da guarda, para que seus caminhos se abram. Não tenho mais pensado que esta situação deve ou tem que acabar logo, mas sim que preciso aprender a vivê-la e me adaptar a esses tempos da melhor forma possível.
O grilo parou de cantar. Acho que ele queria me dizer: calma, viva o agora, viva bem, adapte-se. Não se preocupe com seus filhos, apenas reze por eles e lhes envie pensamentos positivos.
É isso, desejo que todos nós consigamos ter paciência para usufruir do que há de bom nessa mudança. Sair da zona de conforto, abortar os planejamentos de longo prazo por força das circunstâncias e viver bem o agora certamente são aprendizados que nos farão crescer.
E que logo eu possa me reunir com meus filhos e com as amigas queridas. Afinal, são os desejos e os sonhos que nos guiam e nos fazem querer melhorar e viver intensamente.