Força da terra
por Ligia Pinheiro Barbosa
29 de junho de 2020
Impossível estar nesse lugar e não voltar no tempo. Aqui nesta fazenda morei alguns anos da minha infância e depois de nos mudarmos para a cidade, a apenas dois quilômetros de distância, continuamos a vir sempre aqui. A quarentena me trouxe de volta de forma mais forte, porque durante muitos anos aqui foi mais a área de lazer da família, ou de temporada de férias. Agora estou mais aqui do que lá na cidade.
E me vejo com cinco anos de idade, deitada na varanda e olhando o céu. Meu pai nos mostrava as estrelas “três Marias” e o Cruzeiro do Sul. Este último não sei bem onde fica, até hoje. Até chegar essa hora da aula de céu, meu irmão e eu corríamos pelo jardim caçando vagalumes e colocando em um vidro os que conseguíamos pegar.
Interessante que passei anos sem ver vagalumes, mas quando fui morar em Washington, já casada e com minha família, esta diversão era uma das prediletas de meu filho. Ele também colocava os coitados que tinham sido abatidos em um vidro, que como os meus, morriam logo, sem ar!
Há umas duas semanas foi outro “deja vu”, porque minha sobrinha quis reviver o tempo que minha mãe fazia muitas, muitas pamonhas. E conseguiu, porque seguiu o processo tradicional e terminamos todas em volta de uma enorme gamela de massa para colocar na palha e cozinhar. Quem conhece sabe a delícia que é esse quitute feito de milho verde, açúcar, manteiga e uma “talha” de queijo dentro. Depois de cozido, ainda quente...queijo derretido. Uma iguaria.
Os doces de goiaba, marmelo e leite são feitos, ainda hoje, em um enorme tacho de cobre. Existe uma fornalha específica para ele, que é enorme.
Aqui também fazíamos linguiça, almôndegas e outras comidas gostosas. Verduras e legumes da horta. Ovos direto do galinheiro.
É muito bom saber o processo de fabricação das coisas, saber que as melancias crescem no chão, as abóboras também, qual é a época de cada fruta crescer. Eu tenho certeza que o fato de saber como as comidas são produzidas me fez dar o devido valor às refeições. Quando vejo um prato de arroz ou tomo uma xícara de café, sei que não vieram do supermercado, mas foi preciso trabalho de muitas pessoas para que chegassem à minha boca. E aprecio muito. Sempre que possível passo adiante esse conhecimento que pode parecer sem importância, mas não é. É um privilégio cada dia de menos gente, já que a migração para as cidades aumenta ano a ano.
Não fossem suficientes todas estas recordações, hoje é um dia especial, Dia de São Pedro. Meu bisavô era Pedro, meu pai era Pedro, meu filho é Pedro e tenho um sobrinho Pedro.
Sempre comemoramos esse dia rezando o terço em homenagem ao Santo e levantando o mastro com a foto dele na bandeira, toda enfeitada de flores e fitas de papel crepom. Ali ficava por mais de um mês. Em alguns anos a fogueira era bem grande, dançamos a quadrilha, o terço era mais elaborado, em outros anos era mais simples. Mas sempre com devoção, e regado a chá de cravo, quentão, acompanhado de biscoito de goma, canjica, pé de moleque, pastel e outras iguarias típicas da época.
Por causa da pandemia que assola o mundo e nos impõe isolamento e distanciamento social, este ano será diferente: vamos rezar, mas não vamos festar como de costume. E a reza terá que ser mais forte para pedir que a força de São Pedro ajude o mundo a encontrar os caminhos para sair desse problema, e nos proteja contra o vírus.
Minha mãe e meu pai sempre cuidaram muito bem desse nosso torrão. Meus filhos também adoram e valorizam muito esse lugar, onde passaram a infância e cresciam um ano em um mês nas férias escolares que aqui desfrutaram. Espero que as lembranças que me invadem agora se perpetuem em meus filhos e sobrinhos. E que a força dessa terra continue a prover tudo que é bom para o ser humano, em termos materiais e espirituais.