Loading...

Carta para Isadora

por Carmen Virgínia

02 de junho de 2021

Carta para Isadora

Uberlândia, janeiro de 2019.

Isadora, minha sobrinha querida
Você, das netas do meu pai, merecidamente, está na posse do anel de formatura dele – presente que ele ganhou do avô, Coronel Virgílio Rosa.

Em toda a minha vida eu nunca o vi usando este anel, nem mesmo mostrando para alguém. Os filhos sempre gostavam de abrir a caixinha e maravilhar
com aquele anel de pedra verde. Por isso, desde cedo, entendi que para ele, o anel não era uma joia, nem mesmo motivo de orgulho – era um compromisso
- compromisso com a família – que sempre o apoiou, e com a profissão que ele abraçou.

Compromisso que ele honrou.

Eu, que o acompanhei no exercício da profissão, desde a minha primeira infância, sou testemunha de quantas vezes tive que deixar meu sapatinho na
casa de um doente – pois como eu tinha vários outros em casa e aquela menina doente, não tinha nenhum – talvez até a causa dela estar doente,
pois naquela época o saneamento básico não existia, um não ia me fazer falta, como não fez...

Quantas vezes eu o vi tirar do próprio bolso dinheiro para a compra dos remédios – porque a consulta e a receita não serviriam pra nada sem os
medicamentos...

Quantas vezes, a minha mãe retirou de nós o cobertor, para cobrir àqueles que chegavam doentes em noites frias, quase mortos, vestidos de farrapos...

Quantas vezes o meu vestido novo sumiu do guarda-roupa, sim guarda-roupas, não tínhamos armários embutidos!

Quantas vezes eu vi o meu pai sair de madruga, no “carro de praça” – porque ele não tinha carro, e ir atender os doentes nas roças e voltava no outro dia
com um frango, uns ovos, e até mesmo porcos – recebidos como pagamento...

Quantas vezes ele saiu para atender um doente, estando ele também doente...

Quantas vezes ele passou a noite inteira na beira da cama de um doente, porque não tinha enfermagem e se ele fosse descansar talvez, aquele outro
ali - pai, mãe de família, não sobrevivesse...

Quantas vezes eu o vi chorar por não ter conseguido salvar uma vida...

Agora os tempos são outros, você tem a sua experiência com o seu pai, e a vida não precisa mais ser tão simples.

Essa é apenas uma parte da história do seu avô – que é bonita, contada pelos outros que foram beneficiados, e que me é muito caro, mas a o dia-a-dia do
homem e profissional Vivaldo sempre foi mais de sacrifícios, do que de beleza...

Em novos tempos e somando as experiências, Isadora, tenho a certeza que o anel de pedra verde poderá ser sua fonte inesgotável de inspiração.

Que Deus a abençoe!

Sua tia, Carmen Virgínia

COLUNA DA CARMEN

COLUNA DA CARMEN

POSTS RELACIONADOS

A vida na ponta dos pés

A vida na ponta dos pés

A dona sou eu

A dona sou eu

Notícias da nossa cidade

Notícias da nossa cidade

O equilíbrio

O equilíbrio