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O equilíbrio

por Carmen Virgínia

29 de abril de 2020

O equilíbrio

Pretendo nessa coluna não me ater a nenhum tema específico nem a atemporalidade. Vou manter-me fiel a minha indisciplina – não gosto de escrever, é um chamado ao qual dou as costas constantemente, mas que às vezes me rendo, e eis me aqui!

A realidade de hoje não me inspira – não consigo vislumbrar pessoas melhores depois de passada a ventania. Não consigo ser nem alarmista, nem otimista. Já era consenso, eu comigo, de estar no tempo de viver um dia de cada vez. É hoje e hoje – nada deixando para amanhã, e assim continuo. Faço a minha parte. Já era lavadeira de mãos – meu pai me ensinou que o melhor remédio para evitar muitas enfermidades eram água e sabão, então deixo o álcool em gel para quem mais precisa, e fico em casa, pois afinal sou do até então chamado “grupo de risco”, e já calejada de tanto sentir saudades.

E assim, para cumprir o meu compromisso com meus pares, desrespeitei o meu primeiro mandamento de escritora – não ler, depois de publicado, nada que escrevi e revi meus escritos, buscando nos meus arquivos, algo que pudesse ter sentido hoje.

E achei uma carta do ano de 2000 do livro “Cartas para Valentina”, publicado em 2015, em que eu peço a minha filha que preste atenção ao seu redor. Acrescentaria agora, que ela já é adulta, que as sementes, enfim colhidas, podem ser além de encantadas, também desencantadas...

 

O equilíbrio

Minha filha, preste atenção na natureza. As flores, os frutos, os animais. Na dinâmica do nascer, crescer e morrer, num eterno reviver de equilíbrio, sensatez.

Primeiro são as sementes. Pelas mãos do homem preparadas, separadas, escolhidas. Pelo vento, esparramadas. Em espécies, cores variadas. Adubadas. Regadas. Podadas. Desabrochadas. Enfim colhidas, encantadas.

Flores, frutos. De vários sabores. De várias cores. Safras de inverno. De outono. Safras da primavera. Também safras de verão. Para alimentar um povo. Matar sua fome. Florescer a cada ano, novamente, infinitamente.

E os animais? Estes fazem seus ninhos, suas tocas. Suas moradas. Acasalam. Dividem a tarefa de alimentar suas crias entre o macho e a fêmea. Um fica de tocaia. Espreita o perigo. Mantém o abrigo.  O outro vai à caça. Do alimento. Da sobrevivência.

 O plantar carece de preparo. Da terra fértil. De sol. De chuva. De jogar fora a erva daninha. Seus frutos nascem do cuidado. Da mão do homem. Da sua inteligência. Da estiada. Da força que vem de Deus.

A natureza nos ensina. De graça. Não exceder. Não racionar. Saber usar para não faltar. Manter o equilíbrio. Dosar. Escutar mais do que falar. Captar os sinais. Não julgar. O sol, a lua, em eterno revezamento. Quem pode mais?

O nosso corpo fala. O dia para trabalhar. À noite para descansar.

Paciência... Paciência... Paciência...

O tempo passa correndo... O tempo passa lentamente... Não ficamos nem à frente, nem atrás. Não andamos nem depressa, nem devagar.

A mão do homem. A sua inteligência. Cria e mata. Joga fora a sabedoria. Engrandece a tecnologia. Descarta a emoção.

Natureza, equilíbrio. Observar, refletir. Praticar.

Praticar o racionamento da razão, da miséria, da corrupção. Do egoísmo.

Exceder no perdoar, no entrelaçar de mãos, no repartir o pão. Na oração.

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